Autora: Amanda Kraf
É estranho ser uma pessoa transparente. Ninguém se importa. Todos se preocupam em chegar à suas casas, se aquecer em suas lareiras imensas e não pensar em mais nada. A chuva castiga meu corpo cansado, mas tenho que continuar me movendo, olhando cada vez mais as pessoas ao meu lado. Elas não se importam.
– Eleanor! Venha cá! Onde se meteu essa menina?
Seus gritos ainda soam em meus ouvidos. Difícil esquecer anos de escravidão e subserviência. Minha vida foi assim. E agora que me libertei dos maus jugos de meu pai, ainda me sinto presa. Cada grito ao meu lado, um sobressalto. Ando de cabeça baixa pelas ruas. Alguém esbarra em mim e é como se eu não existisse. Nem mesmo um perdão, senhorita!, eu ouço. Estou quase chegando à Igreja. Lá me refugio nas sombras das pilastras, contudo nem os olhos santos conseguem aprofundar minha alma ferida. Mas mesmo assim gosto da quietude do lugar. Sento-me na última fileira de bancos duros e me calo. Às vezes o lugar se enche de desesperados e solitários como eu. Posso perscrutar seus rostos e ver a solidão os corroendo, mesmo estando em meio aos seus.
Padre Mckenzie se impõe no púlpito, gesticulando, apontando seu dedo torto para os fiéis que lhes devolvem o olhar pensante, quando na verdade anseiam em voltar para o abrigo dos lares. Mas não são todos. Alguns, assim como eu, não têm pressa. O próprio padre não tem pressa. Também é um solitário que finge pertencer a essa família que se senta, sorri, ergue os olhos para o céu, pensando em si mesmos.
– Eleanor! Você nunca será ninguém, menina!
A voz rouquenha de meu pai me acompanha onde quer que eu vá. Mesmo nesse lugar Santo eu a ouço com nitidez, moldando meu ser. Isso me faz perceber a solidão dos outros e a minha. Para onde vão essas pessoas? De onde elas são? Por que não me veem? Então elas deixam o lugar, felizes, por terem cumprido a obrigação dominical. Eu as vejo pela janela. Sorriem uns para os outros enquanto erguem a gola dos casacos. Parecem viver um sonho, mas ninguém vê suas almas. Eu as vejo. Eu as conheço. Agora já posso me despir da máscara que escondo atrás do jarro de flores, atrás do vitral colorido. Talvez sua aparência afaste as pessoas de mim.
– Eleanor! Sua pirralha! Traga meu leite, sua inútil.